quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

INADAPTADO



De repente, encontro-me estático a olhar aquelas crianças! Nem sei como parei e porque parei! Só sei que quando as vi, algo me “desligou” os movimentos e pensamentos por alguns instantes. Tento procurar o motivo que me “petrificou”, mas a normalidade do cenário envolvente era natural.
Naquela última tarde de Dezembro que encerrou o ano de 2009, nada saudoso para milhares de famílias que ficaram sem o emprego que lhes proporcionava o pão e a dignidade, eu, estou “dormente” como uma estátua, fixando “meia-dúzia” de crianças nascidas (talvez) na última década, que vestiam roupas “esfarrapadas” e bonés voltados à “retaguarda”, equipados com auscultadores e phones nos ouvidos, telemóveis na mão, dedilhados “à velocidade da luz”, enquanto falavam um dialecto que não entendo “adornado” com palavrões que conheço muito bem, os quais, me transmitiram o método e a forma que os seus pais adoptaram para a sua formação de homens, que (um dia) irão decidir o nosso destino.
Talvez tenha sido a homogeneidade que vi no grupo, que me tenha prendido a atenção! Enormes buracos numa “espécie” de calças, sem cinto, deixando os “quadris” à mostra e a cor dos “boxer’s” que quase chegavam ao “pescoço”, auscultadores e telemóveis (top de gama) que ostentavam tentando impressionar-se uns aos outros, dando a impressão de um ritual, pois a sua disposição em círculo, a “lenga-lenga”, as vestes e os “ornamentos” eram o que me transmitiam. Mas ritual de quê? Era essa a questão que levava, quando decidi continuar a minha marcha, enquanto o meu espírito “viajou” até ao momento em que também eu, menino, brincava com outras crianças, brincadeiras inocentes carregadas de fantasias que acendiam a luz da esperança e enfeitiçavam os corações. Nessas brincadeiras éramos Doutores, Professores, Polícias ou Ladrões (não Políticos). Hoje, a lembrança dessas brincadeiras provoca-me imensa saudade e instintivamente “obriga-me” a comparar tudo o que vejo, o que sinto e o que ouço. O resultado dessa comparação, é dor! Uma dor imensa, por ver que em trinta e poucos anos a diferença entre os dois grupos de crianças que referi, não se resumir somente ao facto da evolução tecnológica ter alterado o modo de vida delas, mas sim, por constatar que alterou o modo de pensar das pessoas e principalmente os padrões emocionais do Ser Humano. A evolução abrupta da tecnologia foi uma vacina que “matou” os valores genealógicos da personalidade natural e a transformou em personalidade “manufacturada”, conivente com interesses e objectivos a alcançar, por cada pessoa, no seio de uma Sociedade de competição, onde não cabem os valores fundamentais.
Não vale a pena estar a comparar os brinquedos que eu inventava e fabricava para poder brincar, e os brinquedos das crianças de hoje. Penso que toda a gente saberá (?) que nem sequer há comparação possível. Mas se analisarmos o facto desse brinquedo fabricado por mim, ou por uma criança da minha idade, ter carecido de iniciativa, sabedoria, invenção, destreza, amor, paixão, etc. e um brinquedo de hoje carecer somente de pilhas, talvez já valha a pena meditar um pouco sobre o assunto.
É evidente que a criança que fabricou o brinquedo para poder brincar, teve contacto com a madeira, cartão, cortiça, platex, martelo, pregos, alicate, chave de fendas, serrote, arame, etc. e com essa experiência aprendeu os seus nomes, o modo como se utilizavam e a utilidade de cada matéria-prima ou ferramenta, mas acima de tudo aprendeu a ter iniciativa e a trabalhar.
Experimentem pedir um alicate a uma daquelas crianças que eu vi de calças rotas (coitadinhos)! Verão que, “se tiverem a sorte de ela querer colaborar” lhes trará (talvez) um martelo ou uma picareta. Agora peçam-lhe para fazer 800.000 pontos no “Mortal Kombat” na sua consola de jogos ou no seu “ipod” de jogos incluído no seu telemóvel! Ficarão estupefactos, pois além de fazer os pontos, fará gestos com a cabeça e dará gritos e palavras de ordem, como se estivesse a “viver” essa guerra, sentindo-se o seu comandante.

NATAL DO COMÉRCIO
Já tive oportunidade de falar, noutras ocasiões, no modo como eu vejo e sinto o Natal. Aliás! Eu não o sinto! Não sinto o amor e a paz; Não sinto a harmonia e a concórdia; Não sinto a amizade e a verdade; Não sinto a compreensão e muito menos, a fé das pessoas naquilo que realmente originou o Natal, que foi o Nascimento de Jesus Cristo (para a religião Católica), pois noutras religiões, existem outras datas importantes festejadas com muito mais fé. O Natal de hoje é comercial e nada tem de religioso.
Perguntem às “tais” crianças, se sabem o que é o Natal?
A resposta não será tão surpreendente, por ser previsível e de certeza que será do tipo: Recebi estes auscultadores do “DJ Camané da Burakka”, este telemóvel 4G, estas calças Maluka, este “piercing” e um “computer, bué da fixe”! Experimentem depois tentar explicar-lhes que é a comemoração do aniversário de Jesus, e ouvirão: Ai o Jesus faz anos nesse dia? O “gajo” é “nice”, é “bué da bom”, e o Di Maria e o Saviola também. O Benfica este ano com ele vai ser campeão!
Todos sabemos do congestionamento de pessoas nas grandes superfícies comerciais em época Natalícia. As lojas e os parques de estacionamento, aonde nem os lugares especiais marcados a azul, escapam, sendo até os primeiros a serem ocupados (há muitos deficientes, neste País), ficam a “abarrotar”, porém nas igrejas contam-se pelos dedos das mãos, as pessoas que as visitam.
Mas voltemos às crianças que me fizeram reflectir e às novas tecnologias.
NOVAS TECNOLOGIAS
São tantos os aparelhos tecnológicos que fazem parte do nosso dia-a-dia que sem eles, a vida seria insuportável. Para algumas pessoas seria até impossível viver, como é o caso das pessoas que têm que usar uma bomba artificial que ajuda o coração doente (pacemaker); O caso das pessoas que utilizam próteses que substituem órgãos; O caso de pessoas que utilizam órgãos “implantados” de doadores (vivos ou mortos). Mas não é sobre esse assunto que quero aqui deixar a minha opinião, que não passará disso mesmo, “OPINIÃO”! Há tanta coisa para falar sobre o tema, que poderia passar o resto dos meus dias falando das novas tecnologias, de tal forma, que quando pensasse ter terminado, poderia aparecer nesse dia, outra novidade ou alteração, tornando obsoleto o transcrito sobre as mesmas. Veja-se o caso da informática! Um computador comprado hoje com capacidade e velocidade fantástica, equipado com sistema operativo e processador potentíssimo, tamanho de disco altíssimo, “amanhã” está obsoleto, porque (nem precisa de ser a concorrência) o mesmo fabricante lança uma nova versão com mais alguma coisa para atrair o cliente. São técnicas de mercado! Passa-se assim também no sector automóvel e quase em todos os sectores. Nas telecomunicações não é diferente!
É sobre esta parte (telecomunicações) que quero dar a minha opinião, por variadíssimos motivos e um deles tem a ver com “aquelas” crianças que prenderam a minha atenção, uns dias após o Natal, embora não tenha sido nesse dia, que eu formei a ideia sobre o que irei redigir!
Há muito tempo que tenho vindo a analisar a metamorfose, que penso ter ocorrido, na sociedade, provocada por “somente” um desses inventos recentes: O telemóvel!
Na minha opinião, este aparelho é um dos maiores responsáveis pela alteração (que noto) na personalidade social. Acabou, inclusive, com a divisão de classes (só neste sector), pelo facto de ter sido aceite por qualquer uma delas, tornando-se um aparelho indispensável, como o ar que se respira e a água que se bebe!
Não há Português que não tenha um telemóvel (pelo menos). Doutor, Engenheiro, Pastor, Polícia e Ladrão, todos utilizam o telemóvel como sendo uma imprescindível ferramenta de trabalho. É quase de 100% a média da relação telemóvel/pessoa, neste pequeno País que lidera “ranking’s” Europeus e (ou) Mundiais, como os do desemprego, analfabetismo, sinistralidade rodoviária, baixas fraudulentas, corrupção dos Gestores Públicos, pobreza, entre outros, que em nada dignificam aqueles que contribuem com os pesados impostos para pagar os altos salários (mais mordomias) dos nossos Altos Representantes.
Esta “telemóvel-dependência” que me refiro, abrange tanto o Português adulto, como o Juvenil, “impulsionada” pela prenda da moda em Portugal, neste Natal, nos Natais anteriores, nos Natais futuros, nos aniversários passados e futuros, nas ofertas “porque sim”, etc, que é o telemóvel.
Tenho a certeza de que as crianças que me referi, aparentando uma média, de idades na casa dos 13 anos, não estavam a apresentar os seus primeiros telemóveis, mas sim as suas novas versões “top model”, como uma das prendas de Natal. Se eu disser que já vi crianças com chucha na boca a jogar no telemóvel, talvez me chamem exagerado, por isso, continuarei o meu raciocínio passando por cima deste assunto.
CRISE
Crise? Sim, é verdade, eu sinto-a! Sim, é verdade que todos os dias contacto e convivo com pessoas que a sentem! É verdade que a Comunicação Social Portuguesa, além de ajudar o Benfica a “ser grande” “lavando” os cérebros dos mais incautos, alimentando os daqueles que têm uma “doença” (não tão rara) de colocar na sala da sua casa, onde recebe as visitas, um quadro com os dizeres “Quem não é do Benfica, não é bom pai, nem bom chefe de família”, também fala da crise, que veio para ficar (embora não seja para todos).
Não sendo eu, Catedrático, Dr. ou outra coisa que ostente algum “canudo”, entendo por crise: “A dificuldade em suportar a normalidade quotidiana na questão de alimentação, saúde, educação, higiene e manutenção do lar, mesmo mantendo uma fonte de rendimento, como o emprego, porque se assim não for, não considero crise mas sim catástrofe ou hecatombe”.
Mas para mim, a crise também se fabrica e nas mentalidades “fabricadas” de hoje, infelizmente a crise nunca mais terá fim!
Lembro-me que ainda não há muito tempo, quando os ordenados eram mais baixos (e os impostos também) as despesas essenciais eram: a alimentação, o vestuário, a educação (sem Magalhães) e com escolas públicas, a saúde (sem clínicas privadas), a água, o gás e a electricidade, conseguindo as famílias construir um “pé de meia” que serviria para comprar o “enxoval” dos filhos, ou suprimir despesas extraordinárias, no caso de uma infelicidade. Nos dias de hoje, as pessoas assimilaram um modo de vida que nada tem a ver com o referido no parágrafo anterior, assumindo-se com posições sociais e estatutos desproporcionados “muitas vezes” com a realidade das suas receitas. A razão que provocou este “modo de vida” (penso eu) terá a ver com a “revolução” tecnológica, que referi, interferindo inclusive, no modo e método como os pais começaram a educar os filhos e nas alterações formativas que daí advieram!
Assim sendo! As despesas essenciais das famílias de hoje são: a alimentação, o vestuário, a educação (escola e infantário), a saúde (estética), a electicidade, a água, o gás canalizado, a TV Cabo, a internet, o telefone fixo, os telemóveis (do pai, mãe, da filha e do filho), o condomínio, a prestação do “Mercedes”, o prémio do seguro do carro, o prémio do seguro da casa, o prémio do seguro de vida (obrigatório por motivos do crédito habitação), a anuidade do cartão multibanco, a prestação do cartão de crédito, etc.
Congelam-se os ordenados, podem os membros familiares perder o emprego, aumentam-se todos os consumíveis, os combustíveis, os impostos, etc, mas as despesas que acabo de salientar continuam essenciais. Não importa, como, porquê, quando ou quanto, mas abdicar de alguma destas despesas seria “matar” o orgulho e o “status” essencial que as famílias actuais se habituaram e terão de suportar, nem que seja aparentemente, até ao momento da respectiva penhora da casa ou do carro. Não é geral, mas muito na moda!
A FACE DA PERSONALIDADE
Volto a referir que tudo o que disse até aqui, é somente uma mera opinião pessoal, do modo como vejo a adaptação da sociedade aos tempos modernos. Embora eu não seja diferente dos demais, a minha adaptação às pessoas que se entregaram inteiramente á “guerra selvática” por um estatuto a qualquer preço, dentro desta sociedade de “plástico” não está a ser pacífica, entre o “eu” moderno e o “eu” que sou, conforme padrões genealógicos e formativos que minha mãe “plantou” em mim. Talvez seja “altaneiro” dizê-lo, mas penso ser muito mais, senão for verdadeiro comigo próprio antes de o ser com os outros, e não ter a coragem, para afirmar que penso saber ler a personalidade de cada pessoa através do olhar, através do riso, através da postura, através dos gestos, mas acima de tudo através do toque polifónico do seu telemóvel.
Na vida as pessoas têm tendência a personalizar o que é seu, como referência, ou sinal de exclusividade que transmita aos outros uma referência pessoal. Na natureza, os animais selvagens, como o lobo, o javali, o veado e até o cão doméstico, deixam marcas para informarem aos outros machos o seu espaço e atraírem as fêmeas! Neste caso, dos toques dos telemóveis não é bem isso, (marcação do território) mas sim (sem se aperceberem), a transmissão do seu carácter e muito dos seus prazeres a quem estiver mais atento e souber fazer a leitura. Quem não reparou e assistiu já a situações em que no meio de uma multidão, “sai do nada” a música do “bacalhau quer alho” e imediatamente um Srº de bigode, na casa dos cinquenta anos, de boné ou chapéu na cabeça “saca” do telemóvel de uma bolsinha de plástico ou couro que trás no cinto e desata aos “berros” com o individuo que ficou de ir lá a casa, buscar o carneiro para “cobrir” a ovelha. Quem ainda não reparou em situações idênticas aonde, de repente, começa a tocar o “ser Benfiquista” ou o “só eu sei” ou “os filhos do Dragão” e quando olhamos vimos alguém na casa dos 30 anos, que veste uma camisola, ou boné alusivo aos clubes em questão, atender o telemóvel? E aqueles toques gravados pela própria pessoa, com assobios e “palavras de ordem” em relação a mulheres, ou à sua própria pessoa como: “atende lá c***”! O que pensar dos seus autores e proprietários? Depois há toques com músicas “remix” de “Djs”, músicas clássicas, etc, que “encaixam” na perfeição nos proprietários dos telemóveis, que “exibem” essas músicas. Mas talvez, um dos sinais mais fortes de personalidade, é o facto de estarmos a falar com alguém, e de repente “disparar” a trompete que ordena a entrada dos toiros, nos campos de tourada, com aquele toque característico das praças de toiros “tá-tá-rá-rááá”, e essa pessoa pega no telemóvel e diz “tou chim”! chim sou eu!
Temos ainda os toques mudos vibratórios ou não, que ninguém se apercebe, mas que se notam, quando alguém, que esteve todo o tempo ao pé de nós, mudo, sinistro até, pega no telemóvel e fala quase sem lhe saírem palavras, tapando a boca e o telemóvel (com a outra mão). Há muitos mais exemplos, que para mim são deveras indicadores da personalidade de cada usufrutuário deste meio tecnológico, nascido há poucos anos.
A MORTE “rápida” DA SAUDADE
Além de tudo o que já disse em relação ao telemóvel, tenho também a opinião de que este aparelho acabou com alguns valores outrora fundamentais.
Matou a saudade, o respeito, a educação!
Lembro-me ainda (embora criança), das mães que choravam e enchiam a igreja com orações, de tanta saudade dos seus filhos que eram destacados para o Ultramar em missão militar, e só se comunicavam de meses a meses através de uma carta de avião dos CTT. Antes de abrirem cada carta, já as lágrimas “lavavam” os seus rostos, de coração “nas mãos” e um “nó” na garganta. A emoção, a incerteza do conteúdo, o tempo de demora da resposta à última carta enviada, a impaciência e a vontade de abraçar, construíam um sentimento (que se extinguiu), chamado saudade. Imaginemos agora, que nesse tempo já havia telecomunicações móveis como hoje, e que tal como agora, os intervenientes poderiam falar a cada minuto! Qual seria o sentimento?
Algo que me irrita bastante (sem falar do uso do telemóvel nas salas de aula, reuniões, etc.) é o facto de estar a falar com alguém um assunto importante e de repente tocar “o hino Nacional” no bolso dessa pessoa, que imediatamente pega no telemóvel e me volta as costas, deixando-me a falar sozinho, enquanto gesticula, ri e baila á minha frente a dança já conhecida, provocada pelo telemóvel neste tipo de situações! Irrita-me se for comigo esta falta de respeito, e irrita-me assistir á mesma situação, em que o “pendurado” é outra pessoa.
Outra situação nada agradável, mas muito na moda neste País, situado no “terminus” da cauda Europeia em questões formativas e educativas, é o facto de estarmos numa fila (com senha tirada) de uma consulta externa hospitalar, marcação de análises de um centro médico, serviços públicos e particulares de atendimento geral, ou até na fila da bilheteira do cinema, e quase chegada a nossa vez de atendimento, toca o telefone, que é imediatamente atendido, pela menina “Gertrudes” que simpaticamente nos ignora, deixando que a outra pessoa “da cama”, nos passe á frente. É falta de respeito e falta de educação! O motivo, penso eu, é o telemóvel aliado á “pobre” formação educativa que todos nós adoptamos para os nossos filhos “aprisionando-os” no quarto a “auto-educarem-se” com um jogo de guerra da PlayStation, talvez para podermos ter mais tempo para telefonarmos aos amigos.

Peço desculpa, mas embora tenha mais assunto para continuar com a minha opinião, tenho de terminar aqui, porque tenho um passarinho a “cantar” no meu bolso.

Manuel António