quinta-feira, 8 de outubro de 2009

DISCÍPULOS (versus) JUDAS DE DIANA




A EVOLUÇÃO DA CAÇA

A caça foi ao longo dos tempos, componente integrante na estruturação de civilizações. Os primeiros Deuses que o homem elegeu revelavam figuras animais que supostamente os protegiam da sua preocupação principal: a sobrevivência!
Entende-se assim, que a faceta utilitária da caça tenha sido a que primeiro se revelou.
No Paleolítico o homem caçava para matar a fome! As pinturas rupestres que hoje se conhecem revelam as preces do homem primitivo para que houvesse uma caça abundante, visto dela depender. No Neolítico o homem sedentário, com gado domesticado, concebe armadilhas e artefactos para capturar animais, mas não vive totalmente da caça uma vez que também é agricultor. Usa os seus engenhos em momentos escolhidos, tornando-se deste modo caçador “semi-desportivo”.

Esta actividade pelo tempo fora, sempre integrou a dupla vertente utilidade/lazer, mas esta duplicidade estaria sempre bem definida de acordo com a posição social daqueles que caçavam.
De facto, a data altura, ser bom caçador era qualidade “exigida” a um Rei. Considerada na sua forma superior, a caça revelava-se uma disciplina vigorosa. Era considerada um excelente treino para os guerreiros e todos aqueles que bem caçavam, eram tidos como valentes e corajosos.
Nesta altura, a caça, era um grande acontecimento social, reservado às classes mais altas e mesmo as senhoras podiam participar evidenciando luxos e práticas privilegiadas. Este sentimento de superioridade era invejado por quem não podia participar. Na verdade, o povo nunca usufruiu do prazer de caçar, mesmo quando obrigado a isso. D. Afonso V organizava quatro caçadas por ano, ao encargo dos moradores do concelho. Estes, no entanto, revelavam certo desagrado pelo acontecimento, sobretudo quando o risco e esforço despendido era bem maior do que o quinhão que lhes correspondia.
Por outro lado, chefes, governadores, reis e guerreiros, cada vez mais incluíam a caça nos seus tempos de lazer, como ocupação predilecta.
Consequentemente surgiria a evidente necessidade de limitar o exercício, de modo a proteger inúmeras espécies. Com este tipo de controlo, a caça adquire um estatuto de privilégio.
Em Portugal, a protecção da caça surge através de restrições, multas e penas. Também se adopta um período de defeso. O primeiro defeso oficial foi promulgado por D. Afonso III, em 1252, e decorria desde o dia de cinzas até Santa Maria de Agosto.

A CAÇA, HOJE

Continua a existir, nos nossos dias, carência de caça e abundância de caçadores. Mais por desporto do que por necessidade, muitos se regalam com a época em que tiram as caçadeiras dos armários e “desatam por aí aos tiros a tudo o que mexe”. Felizmente, também temos ainda quem se preocupe com limites e excessos e faça da caça uma ocupação nobre. Muitos se interrogarão quanta nobreza pode haver em terminar “perfurado” pelos “bagos” de chumbo….mas não podemos deixar de admirar a exigência e o respeito daqueles que, ao longo do ano se entregam a um duro trabalho, para criar condições de alimento, refúgio e sossego aos animais, para capturarem apenas o essencial e no tempo certo.
Obviamente, penso que já todos entenderam que estou a falar de caça selvagem, das espécies indígenas (autóctones) e das que ainda chegam até nós, através dos percursos e rotas migratórias. É verdade que hoje temos 70% do território Nacional Ordenado, e que essa alteração provocou profundas mudanças no mundo cinegético: A diminuição do número de caçadores por escassez de recursos financeiros que os priva de pagarem para caçar; o surgimento de Empresas específicas na criação de animais de cativeiro com “estatuto” de espécies cinegéticas, através de meios bem artificiais; o aumento do nº. de caçadores furtivos (desta matéria, falarei noutra peça), são os principais responsáveis pelo estado actual do nosso “hobbie” que herdámos por via genealógica, dos nossos antepassados. Das figuras de ordenamento possíveis, não irei falar das Zonas de Caça Municipais, das Sociais, nem das Associativas (fica para outra altura), e somente destacarei o que me ocorre sobre as Turísticas. São uma grande parte destas “figuras de ordenamento” que escoam, consomem e esgotam todo o capital de produção das “tais” Empresas vocacionadas para a criação de espécies de cativeiro (muitas delas de muito má qualidade), alimentadas com produtos de composição muito artificial á base de nitrofuranos e hormonas.

SEPARAÇÃO DE VALORES

É claro que eu defendo a criação de Empresas, pois são elas que criam riqueza, emprego e dão estabilidade ás famílias, mas o modo como reagem estes animais quando libertados(?) da “gaiola” e o motivo porque são “empurrados” para fora dela, é que eu me refiro e critico.
Estas Z.C.T. que optam pelo sistema de caça intensiva, proporcionando jornadas de caça diárias desde o primeiro dia do calendário venatório ao último, a grupos que as adquirem por valores dez vezes acima do custo de cada animal, que é colocado nesse dia ás 7h da madrugada, para uma hora depois, andarem a “pisá-las” e darem-lhes “pontapés” no “rabo” para que possam “fingir” um voo, de modo a que esses “excelentes caçadores” possam “fazer de conta” que o são. Muitas dessas perdizes, acabam na boca do cão sem que tenham tido tempo e vontade para fazerem qualquer tentativa de “levante”, entregando-a este, conforme a encontrou: pequena, magra e mole!
Perante tal facto, e sabendo que as pessoas que aderem a este tipo de “filosofia cinegética”, sabem que estão a caçar(?) espécies de cativeiro, começo a constatar que estamos perante um tipo de caçadores, que de caçadores nada têm, com a agravante de que pensam que são excelentes caçadores e que possuem excelentes cães! Dá vontade de rir! E riu-me sempre que vejo um desses Senhores “deslocado” do seu local de caça (uma espécie de campo de treino) numa Z.C.T. qualquer, na qual, adquire anualmente “X” caçadas , a dizer que não há perdizes, ou que as poucas que há são “rijas” ou estão “escaldadas” e “acussadas” e que por isso não vale a pena ir atrás delas, para os “cabeços”, pois não vale a pena por isto, por aquilo, etc. etc. ! Desculpas “esfarrapadas” é o que é! Muito mais me riu, quando o seu cão que até é campeão “daqui e dali” e de mais “não sei onde” na hora de cobrar uma “vermelhuda” das autênticas, passa por cima dela como se fosse por cima de um pau ou uma pedra, pelo facto de as emanações que esta exala, nada terem a ver com “farinha”, aroma pelo qual “o campeão” orienta os seus “ventos”. Tenho a certeza disso! Cão de Concurso, ou de campo de treino, não serve para procurar a pura, a genuína, a real “Alectoris rufa”. Penso que o seu dono também não!!
Bem, não importa! Também é verdade que pelas leis correntes que legislam sobre o acto venatório, não proíbe esta prática, nem se o cão conhece o cheiro da perdiz, ou não, nem tão-pouco proíbe os terrenos de caça tipo “campo de futebol” onde são lançadas as “farinhentas”! ….e peço imensa desculpa aos mais cépticos, ou a alguém que ao ler estas “palavras” se sinta susceptibilizado, mas eu sou um “amante” assumido da preservação da nossa autêntica e selvagem “rainha do monte”, tal como o meu avô e o meu pai a conheciam: brava, instintiva, poderosa e de voo firme!
Mas claro que não é fácil encontrá-la, e muito boa gente que a apregoa como selvagem, no seu couto, mente! O que é incrível, é que os próprios clientes que compram as jornadas de caça “os habitués” gostam de se enganar a si próprios e criar a ilusão de que andam atrás de animais selvagens, só porque gostariam que assim fosse! A realidade é que não são, e estão a “anos luz” das suas “prim(i)tivas”, como também não considero caçadores os Senhores que se dedicam a este “exercício”!
Ser caçador é outra coisa! É ter paixão pelo “autêntico” e força de vontade para ir até onde for necessário para o encontrar, “perder-se” no monte, suar, esfarrapar- se e mesmo que “leve um bigode” destas “avezinhas” em vez de desanimar, conseguir motivar-se ainda mais para estudar uma nova estratégia, aguardando pacientemente pelo próximo domingo; É ter a capacidade de sacrifício para calcorrear a serra, vezes sem conta, até encontrar o bando que o irá “pôr de rastos”; É ter a nobreza de aceitar com enorme prazer, o facto de ter perseguido um bando de 20 “vermelhudas” durante toda a manhã e ter conseguido abater somente uma; É ter a compreensão e convicção do real valor do “animal” que abateu, não o abandonando ou desprezando após um “lance” em que não se conseguiu a morte rápida da perdiz, ou em que o seu “cobro” se torna difícil; É contribuir e participar em projectos de reabilitação das espécies autóctones, de modo a certificar-se que os animais mais fortes e “sábios”que conseguiram sobreviver á Época Cinegética, terão condições óptimas de alimentação, sossego e refúgio, para que possam dar continuidade ao ciclo natural de multiplicação da espécie, e assim, garantir a qualidade das jornadas futuras; É ter coragem de abdicar de algumas jornadas, se sentir que o “censos” da espécie está baixo!

No passado dia 4 de Outubro, tocou a “trombeta” que iniciou a abertura á perdiz vermelha. Os caçadores (os verdadeiros) partiram para locais aonde ainda existe a verdadeira “alectoris”, palmilhando caminhos de terra batida, envoltos em nuvens de pó, para chegarem até ela. Os outros (espécimes), partiram nos seus “Mercedes”, via estrada asfaltada até á “capoeira” (desculpem a minha sinceridade), com as suas brilhantes “polainas” para os protegerem do….sol(??), ansiosos por “pisarem” as 10 perdizes a que têm direito “no pacote”.
Para o verdadeiro caçador, até tem uma grande importância o facto de haver esta “brincadeira”, porque se assim não fosse, não haveria modo de aferição comparativa, para se sentirem realmente caçadores. Pois na nobre “arte” de caçar, sempre houve distinções e diferenças (desde os primórdios), conforme referi na 1ª. parte deste artigo, e assim continua e continuará, até porque as Empresas que fornecem as “pobres” e as que, as “condenam” á “execução fácil” mediante uns “molhos de notas”, necessitam de enriquecer (enganei-me), digo, sobreviver!!
Ah pois é!
Daqui a 15 dias voltarei ao monte, para “levar mais um baile” das minhas “amiguinhas” porque elas não querem ver-me todos os dias de arma na mão, atrás do meu cão que me guia, gostam sim de me ver todos os dias com o saco de trigo e milho às costas, e eu, adoro fazer-lhes a vontade! Amanhã, lá estarei para regozijar-me com o seu canto!
Manuel António

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